quinta-feira, 16 de abril de 2015

Doce Pássaro da Juventude


Vou dizer por palavras minhas muito pouco sobre esta peça produzida pelos Artistas Unidos e em exibição no S.Luiz, aqui em Lisboa.
 Apenas referir que achei a peça soberba em todos os aspectos, que considero Maria João Luiz uma das melhores acrizes da actualidade, que vejo Rúben Gomes a melhorar de papel para papel, que é admirável ver um actor como Américo Silva.
 E dizer que acima de tudo e num resumo demasiado simplista e talvez demasiado redutor, que é uma peça sobre essa tenebrosa palavra: o TEMPO.

De resto deixo um apontamento que transcrevo do programa:

"Uma actriz (Alexandra Del Lago) que envelhece e enfrenta o desastre de uma vida, longe dos doces anos da sua juventude. Um rapaz( Chance Wayne) que a conduz de volta à sua terra natal. É domingo de Páscoa, mas nada vai ressurgir, não haverá ressurreição. Mas todos procuram voltar a um passado feliz que um dia teve lugar. Enquanto decorre uma sórdida manobra política. Uma das peças mais secretas (e problemáticas*) de Tennesse Williams – e como tantas vezes a derrota perante o tempo, o derradeiro voo do pássaro da juventude?"

Mas deixo sobretudo um texto absolutamente genial de Jorge Silva Melo, que a propósito desta peça vai além dela e presta uma maravilhosa homenagem aos seus artistas. 
Mas convém não esquecer aquilo que a modéstia de Jorge Silva Melo não lhe permite escrever: sem ele não teríamos esta magnífica companhia de teatro tão bem denominada Artistas Unidos, sem ele, o teatro português estaria incomensuravelmente mais pobre. 
Por isso mesmo, muito obrigado Jorge Silva Melo.

ACTORES DESTES DIAS
São tão extraordinários, tão dotados, tão únicos os actores com quem há anos venho trabalhando uma, duas, só três ou quatro vezes, é tão extraordinária a liberdade e a integridade conseguidas nestes já quase 20 anos dos Artistas Unidos. E estava a ver as rugas começarem a surgir, os cabelos brancos a aparecer e pensei: não quero que estes actores a quem tudo devo, a vida, a arte, o amor, tudo, a vida de todos os dias, não quero que percam aqueles papéis que foram escritos para eles, não quero deixar passar o tempo, quero ver a Maria João Luís, quero ver a Catarina Wallenstein, sim, quero ver o Rúben Gomes, quero ver o Américo Silva, quero ver a Isabel Muñoz Cardoso, quero ver a Vânia Rodrigues e o Nuno Pardal e o Tiago Matias e o João Vaz, estes que se têm juntado a nós, sim, quero vê-los decifrarem comigo as tortuosas peças de Tennesse Williams, aqueles papéis que só podem fazer agora, agora que o doce pássaro da juventude lançou voo.
Comovi-me quando li o meu adorado Peter Stein dizer ao jornal Público “nunca quis ser encenador quando era novo, quero só ajudar uns actores”. É tal qual: ajudar uns actores que admiro, encontrar teatros, dinheiro, tempo, colegas, roupas para eles nos darem o que só os actores sabem, lágrimas, risos, suores, no fundo, abraços estreitos durante a noite.
E assim nasceu esta ideia de revisitar Tennesse Williams, fazer “Gata em Telhada de Zinco Quente” em 2014, “Doce Pássaro da Juventude” agora, “A Noite da Iguana” lá mais para a frente, peças de outros tempos, de outros palcos, peças que saberei ajudar a fazer, peças que, garanto, foram escritas aguardando os seus corpos, estas vozes.
Pois só isso agora desejo: ajudar a fazer.
E que cada espectador possa guardar dentro de si a ousadia destes artistas cuja disponibilidade não sei se merecemos.
Assim, voltamos a ver aqui no “Doce Pássaro da Juventude” quase todos os actores com quem trabalhei “Gata em Telhado de Zinco Quente” que estreámos em Setembro de 2014 em Viseu e andou pelo país. E mais alguns que a nós se juntam. Como se fôssemos uma companhia fixa, tivéssemos salas de ensaio, programássemos horas e dias, temporadas e trabalhos. Porque os actores têm dentro de si inesperadas personagens, máscaras, poesias.
Estreada em Nova Iorque em 1959 com encenação de Elia Kazan* e interpretação de Geraldine Page, Paul Newman e Rip Torn, “Doce Pássaro da Juventude” que Richard Brooks filmou em 1962 com quase todo o elenco original

é uma peça desequilibrada, poderosa, desarrumada, insólita em que Williams se debate com as convenções da sua Broadway e avança para campos apenas entrevistos*. Joga técnicas consideradas impossíveis, escreve um primeiro acto que é em si mesmo uma longa peça de duas personagens, desenvolve no segundo personagens e temas imprevistos, abandona personagens, são duas horas de vertigens várias, dolorosas.
E mais uma vez pede ao espectador que partilhe um segredo. “Eu não vos peço piedade, só peço a vossa compreensão – não, nem isso – não. Apenas que me reconheçam a mim dentro de vós próprios, e ao inimigo, o tempo, em todos nós.”, diz Chance Wayne e podia acrescentar com o imenso Baudelaire “hypocrite lecteur, mon semblable, mon frère”.
Talvez seja esse o seu apelo, tratar-nos como irmãos.
Mas será possível devolver ao teatro aquilo que aparentemente o cinema fixou? Será possível voltar a estas peças sem as cores esplendorosas de Hollywood? Será possível a St,Cloud (cidade onde a peça se desenrola) sem Kazan nem Richard Brooks? Será possível ver outra vez Alexandra Del Lago e Chance Wayne e ver como eles falam mesmo de nós, da nossa cobardia, dos nossos medos, do tal “tempo que passa por cima de nós”? Será possível voltar a pôr no palco estes dilemas, esta ansiedade, esta sofreguidão?
Olha, é uma aposta. E aqui estamos”.


* - não percam a leitura deste magnífico texto da autoria de Carlos Marques da Silva 

12 comentários:

  1. Há muito tempo que não vou ao teatro e acho que tenho perdido muito com isso.
    Adorei o filme e gosto muito da actriz Maria João Luiz, aliás li uma entrevista onde ela fala do prazer que tem ao interpretar esta personagem.
    Portanto acho que vou seguir o seu conselho!

    beijinho

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    1. concordo inteiramente no que dizes sobre o teatro; eu gosto muito de cinema, mas prefiro mil vezes o teatro - os actores estão ali, ao vivo, a representarem para nós.
      Vou muito mais ao teatro que ao cinema (este vejo mais em casa), mas apesar de tudo não vou tanto como devia...
      Esta peça é espectacular, merece ser vista e a personagem de Alexandra Del Lago é uma das que uma actriz ambiciona fazer um dia...e que bem o faz a Maria João Luís...
      Beijinho.

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  2. deixo o link para a notícia do público/cultura: http://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/no-palco-maria-joao-luis-esta-em-casa-e-respira-melhor-1691608

    bonita homenagem esta ao teatro, a JSM, a TW, caramba, queria tanto ir, mas devido à catástrofe doméstica (longe de estar resolvida), não posso fugir ao delicado orçamento mensal. a minha esperança é que a peça vá em digressão e que eu a apanhe lá mais para a frente.
    bjs.

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    1. Margarida
      que bonito o artigo do Público que aqui deixas; Maria João Luís merece todas estas palavras e como disse aí no comentário à Fê, a personagem de Alexandra Del Lago é magnífica para uma grande actriz brilhar. Por vezes vem-nos à memória a Norma Desmond que tão bem Glória Swanson representou em "Sunset Boulevard"...
      Sim, este post é uma homenagem a muita gente e a pessoas que merecem ser homenageadas pelo muito que nos dão, a nós que tanto gostamos de teatro.
      Entretanto esta semana fui à "Politécnica" ver uma peça impressionante de uma companhia que desconhecia - I-A Mentira, numa encenação daquele puto dos Artistas Unidos - o João Pedro Mamede; gostei muito da peça e do ambiente, pois encontrei lá o Manuel Sá Pessoa, jovem actor e filho do meu grande amigo Jorge, que faleceu em Dezembro e por ele falei com a Rita Blanco e fiquei ao lado do Diogo Dória com quem conversei um bocado - foi muito bom.
      Vê se consegues ver alguma das peças...
      Beijinho.

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    1. Olá Diana
      muito obrigada pela tua visita (desculpa o tratamento, mas aqui na blogosfera penso ser melhor tratarmos-nos todos por tu, ok?) e pelo teu comentário.
      Já dei uma espreitadela ao teu blog que me parece interessante - irei fazer uma visita...
      Quanto a esta peça ela é imperdível.
      Beijinho.

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  4. Já não vou ao teatro há muitos anos. Era uma das coisas que mais gostava.
    Aqui no campo perdemo-nos por outras peças mais ou menos dramáticas.
    Agradeço estes apontamentos que nos ajudam a despertar para o valor do teatro e dos artistas que lhe dão vida

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  5. Luís
    é dos poucos defeitos que encontro viver longe dos grandes centros - a quase nula vida cultural.
    Apesar de tudo já vai havendo alguma (pouca) descentralização nalgumas cidades do interior, muitas vezes devido à vida universitária.
    Mas Portugal continua a ser, e neste domínio avassaladora mente, um país macrocéfalo.
    Abraço amigo.,

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  6. gosto muito desta peça, que já vi em palco, em Londres (no National Theatre), há mais de 20 anos possivelmente. a actriz que fazia de Alexandra del Lago chama-se Clare Higgins, e ganhou um prémio Lawrence Olivier com essa produção :)

    espero que esta peça passe por aqui, gostava muito de a ver. Já perdi o Gata em Telhado de Zinco Quente, que até veio a Coimbra e tudo, porque foi naquele período terrível da minha vida em finais do ano passado. Tive bilhetes para ir a Estarreja e não pude, e depois também o perdi quando veio cá. enfim... c'est la vie!

    uma vez, há muitos anos, fiz uma promessa a mim próprio de que havia de ir ver todas as produções de peças do TW que pudesse, sobretudo das minhas 4 favoritas: esta, a Gata, o Eléctrico, e a Glass Menagerie. infelizmente, essa promessa tem sido mais quebrada que mantida :)

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    1. Miguel
      não quero desiludir-te, mas não sei se esta peça vai em digressão. A Gata iniciou-se em Viseu, fez a sua digressão e terminou a sua carreira aqui em Lisboa (CCB). Agora esta estreou directamente aqui, tem uma actriz que não faz parte da companhia (Maria João Luís), que tem compromissos com telenovelas... duvido que vá em digressão.
      Porque não vens aqui no domingo, o espectáculo é às 5,30, podes almoçar aí e jantas no regresso numa área de serviço? Domingo até é um bom dia, é o Benfica-Porto a essa hora e está tudo a ver a bola.
      Abraço amigo.

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  7. Vamos lá ver se consigo ainda dois bilhetes! Tenho muito vontade de ver a peça...

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  8. Justine
    dou-te o mesmo conselho que dei ao Miguel. No próximo domingo vai à matinée que é à mesma gora do Benfica- Porto.
    Beijinho.

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