quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Uma imensa nojeira


Tenho tentado resistir escrever algo mais sobre o caso da detenção e posterior prisão preventiva de José Sócrates, mas isso é impossível.
Logo após os acontecimentos passados quase há uma semana, claro que não podia deixar de registar os factos nas redes sociais a que pertenço (FB e Google+) e fui confrontado quer nos comentários aos meus textos, quer principalmente no que li em textos escritos por amigos (FB) com opiniões que ultrapassam o salutar debate de ideias e formas de pensar para chegar ao insulto sujo e baixo que só o ódio pode provocar.
Tentando ser o mais cuidadoso possível na elaboração desta postagem, devo começar por um aviso prévio que não será novidade para ninguém que me conheça minimamente – conheço e sou amigo pessoal de José Sócrates dos tempos passados na Covilhã, onde fui aluno do seu pai, o Arq. Pinto de Sousa (já falecido) e onde mantive uma amizade sólida com o Zé, até porque ele era na altura o presidente da concelhia do PS covilhanense, e eu embora nunca tivesse sido filiado nesse partido sempre fui seu simpatizante.
Cheguei mesmo a integrar uma lista do PS a umas eleições autárquicas, por expressa vontade dele e eu só aceitei com a condição de ir num lugar não elegível, pois as minhas actividades profissionais não me permitiam ser vereador da Câmara, e portanto a isso se resume no campo político a minha afinidade com José Sócrates.
Mais tarde, quando os dois deputados socialistas do distrito de Castelo Branco eram António Guterres e José Sócrates, este pediu-me para ambos visitarem a empresa têxtil familiar onde eu trabalhava, no âmbito de outras visitas a empresas similares para apresentarem uma moção no Parlamento; claro que essa visita teria que ter o consentimento de meu Pai o que não era fácil, pois ele não comungava de forma alguma com os pensamentos socialistas e Sócrates, sabendo disso veio junto a mim, pois sabia que se fosse directamente falar com meu Pai, o "não" era certo.
Curiosamente, o meu Pai acedeu, com duas condições: eu é que os receberia e lhes mostraria as instalações e lhes deixaria dialogar com os trabalhadores, mas ele (meu Pai) queria no final da visita ter uma “conversa” com eles, pois lhes quereria dizer umas “coisas”.
A visita fez-se e afinal a conversa final foi uma agradável conversa sobre os problemas têxteis
entre mim, o meu Pai e...dois futuros primeiros ministros de Portugal.

Portanto eu olhei para estes acontecimentos desta semana com um olhar objectivo, mas também necessariamente com um olhar de um amigo que vê outro a viver um momento muito difícil, e ninguém me poderá condenar por isso.
Mas, e objectivamente, eu considero José Sócrates um dos raros políticos “a sério” que o nosso país teve após o 25 de Abril.
Quando exerceu as funções de Primeiro Ministro, teve um primeiro mandato mesmo brilhante, e se no segundo esteve menos bem, grande parte disso se deve ao eclodir de uma gravíssima crise europeia para a qual nem o país nem ele estavam preparados.
 Houve decisões dele controversas, algumas mesmo contra as quais estive, mas no cômputo geral foi sempre um político convicto, com carisma e incansável.
Continuamos a não saber se o tão falado, na altura, PAC IV, o qual tinha desde logo. a aprovação da UE, não poderia ter dado resultado.
Mas já na altura Sócrates era mal visto e mesmo odiado por muita gente, e foi fácil, a oposição em peso (com PCP e BE) derrubar o seu governo e claro que ele só tinha uma coisa a fazer- demitir-se e demitir-se do PS para permitir aos seus oponentes fora e dentro do partido que fizessem melhor que ele.
Quanto a mim, essa demissão, do Governo, pecou por tardia, pois quando da tomada de posse do actual PR, o silva de Belém, este individuo usou o seu discurso na AR para arrasar o Primeiro Ministro em termos tão graves que duvido alguma outra vez possa acontecer algo de parecido entre órgãos institucionais, que Sócrates se deveria ter demitido de imediato.
O que aconteceu depois toda a gente sabe, um governo da direita coligada conduziu o país a uma inqualificável situação social e sempre justificando os pesadíssimos encargos impostos ao povo português com o chavão da “herança do passado”.
Sócrates desligou-se da política e foi viver para Paris.
Desligou-se mas e por via de terceiros, nomeadamente certa imprensa (duvido que os pasquins CM e Sol possam ser considerados imprensa...), continuou sempre a ser referido e pelas piores razões. Daquilo em que esteve eventualmente implicado, sempre foi considerado inocente e claro que eu não posso afirmar com toda a certeza de que neste caso, e que é note-se, recente, e não dos tempos dele como político activo, que seja inocente ou não,
Mas até ser condenado, e por Lei ele é inocente!
Muita coisa se disse sobre variadas situações e de uma coisa apenas eu estou certo porque sei-o de fonte segura: a sua mãe sempre foi uma pessoa de avultadas posses e após a separação dos pais, ele ficou ainda mais ligado à mãe, do que antes...

Do episódio da sua detenção com câmaras “convidadas” a testemunhar o facto e com notícias imediatas dos pasquins acima referidos que só podem ter origem em fugas de informação oriundas da própria PGR (embora o inquérito agora iniciado acabe por arquivar o caso...), ninguém pode duvidar que se pretendeu desde o início o achincalhamento público do ex-Primeiro Ministro.
Sobre o “acaso” temporal dos factos só questiono porque eles não aconteceram antes ou depois, mas sim quando decorria a eleição do novo Secretário Geral e logo a seguir ao caso dos Vistos Dourados? Claro que perante umas sondagens que semana a semana davam o PS cada vez mais perto da maioria absoluta, estas “coincidências” são muito suspeitas.
E é ver nas redes sociais e não só (o “insuspeito” comentador MRS da TVI também) a dar como aniquilada toda a estratégia socialista e já embandeiram em arco com uma eventual reeleição de Passos Coelho.
Será que essa gente pensa que o povo português é estúpido ou masoquista????
Para já António Costa reagiu com um bom comunicado, aos acontecimentos e o próprio Sócrates numa primeira reacção após a sua detenção, sem negar que tudo isto é um caso político, aconselha os socialistas, para seu próprio bem (de Sócrates) e do partido a não confundirem as questões.
Mas os amigos não se podem esquecer, como eu referi no início e Sócrates terá sempre um lugar de destaque nos dirigentes que lideraram o PS.
José Sócrates é um animal político, que nunca desiste, nunca mesmo e se de alguma coisa estou certo é que não será fácil deitá-lo abaixo.
Nunca um político no nosso país foi tão odiado e vilipendiado, e se nalguns casos alguém possa ter razão, na grande maioria nunca chego a entender o porquê de tanto ódio – pode-se gostar mais ou menos, mas odiar?. Odiar é algo de muito feio...

Uma palavra final para duas personalidades ligadas directamente a este caso.
A primeira é o original advogado de Sócrates, João Araújo

desconhecido até então, aparece referenciado como um óptimo advogado e especialista nas matérias em análise; além disso é uma personagem desconcertante (no bom sentido) na forma como encara a comunicação social, nunca sendo mal educado, mas dizendo o mínimo, como deve ser...
A outra é o super juiz do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, Carlos Alexandre
 Um homem a quem é atribuído tudo o que de importante actualmente ocorre na Justiça portuguesa e gostaria de salientar a curiosidade de que todos os casos por ele iniciados conduziram à inocência dos presumíveis condenados.
Por outro lado é muito, mas mesmo muito estranho, que hoje mesmo, e com um “exército” de 200 homens este juiz tenha “invadido” os mais variados locais relacionados com o caso BES – bem mais importante que o caso Sócrates, porque lesou muita e muita gente – incluindo a casa de Ricardo Salgado, à procura de quê? De documentos? Onde eles já vão...
Não, os documentos só são importantes no caso de Sócrates e vamos lá detê-lo ao aeroporto e vamos lá pô-lo em prisão preventivo pois caso contrário ainda vai destruir mais documentos...

Enfim, uma imensa nojeira!!!!

18 comentários:

  1. Não gosto de Sócrates assim como não gosto de nenhum politico português. Parece que se instalaram na política por não saber fazer nada de melhore mais útil.
    Não comento se este éculpado ou inocente.
    Espero que se faça justiça.

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    1. Luís
      uma coisa é não gostar de uma pessoa e neste teu caso até o generalizas o que não me repugna nada aceitar.
      Outra coisa é odiar, sem razão pelo menos aparente e olha que eu conheço muita gente que assim procede.
      Eu também não emiti nenhum juízo sobre a sua culpabilidade ou não, apenas disse e tens que concordar comigo, que até ser condenado, é inocente, por Lei!
      E claro que se faça justiça, sou totalmente pelo princípio de que não há ninguém acima da lei.
      O que eu não concordo e aqui defendo, é tão só de que este processo está inquinado desde o princípio...
      Abraço amigo.

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  2. Gostei muito deste texto, João. Corajoso, como é teu timbre. Acrescentaria apenas que conheço o João Lisboeta Araújo há mais de 40 anos e fiquei surpreendido quando soube que ele era o advogado de Sócrates, porque não é advogado para processos muito mediáticos. Poucos saberão que ele foi advogado de defesa no processo das FP 25. O seu estilo "gozão" é uma imagem de marca que ainda irá provavelmente surpreender muita gente. O facto de a mulher ser directora de comunicação creio que é uma ajuda preciosa para a sua relação (futura) com a imprensa. Estou curioso por ver como ele enfrentará a imprensa amanhã em Évora.
    Finalmente, quanto ao juiz Carlos Alexandre, também me provoca alguma comichão saber que estão nas mãos dele os principais casos da justiça. Mas não podia ser de outra maneira, porque ele era, até há pouco tempo o único juiz do TIC. Isso explica muita coisa sobre a forma como estes casos de corrupção têm sido tratados ao longo do tempo, não te parece?
    Abraço

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    1. Olá Carlos
      obrigado pelas tuas palavras e pelos esclarecimentos sobre João Araújo.
      Já quanto a Carlos Alexandre parece-me uma situação quase surreal que a Justiça do nosso país esteja durante um determinado período tempo limitada a um só juiz do TIC.
      E sobre a personalidade do juiz em causa, o que é certo é que os vários processos sobre individualidades da direita que lhe foram atribuídos tiveram o mesmo desfecho - o arquivamento.
      E agora no caso BES os procedimentos quanto à detenção de Ricardo Salgado e à posterior medida de coação adoptada são completamente opostos aos do caso de Sócrates e numa opinião que não é só minha, o caso do BES é muito mais gravoso para o país do que o caso de Sócrates.
      Sim, ontem mesmo houve uma gigantesca operação de buscas sobre o BES, mas é legítimo questionar o que se pretendia, pelo menos com a busca na residência do banqueiro? Encontrar provas, ao fim deste tempo todo? Só se for para rir...
      Abraço amigo.

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  3. Amigo João Roque,

    Lamento imenso, mas vamos ver como acabam as coisa

    Como tu dizes e o nosso amigo Mark, inocentes até prova em contrário

    Só que os factos são mais do que evidentes :)

    E, o Mário Soares ter gritado ontem... Disse tudo quanto a mim

    Abraço amigo (não sou juiz e já me habituei à justiça portuguesa)

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    1. Francisco
      os factos em qualquer processo judicial só se tornam evidentes quando são provados e nunca pela opinião pública, e muito menos quando esta é comandada por uma imprensa verdadeiramente infame (CM e Sol), informada antes de ninguém pela própria PGR.
      São esses factos anormais, entre outros aquilo que eu condeno e não o facto de Sócrates ser suspeito. Como já disse, ninguém está acima da lei.
      Mário Soares revoltou-se de uma forma violenta, é certo, mas bem ao seu estilo, contra essa forma de exercer Justiça e quanto a mim fez bem, além de mostrar que não tem medo de num momento difícil para Sócrates, mostrar que é seu amigo.
      Eu procedo da mesma forma.
      Abraço amigo.

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  4. queria escrever alguma coisa sobre o assunto, mas falta-me disponibilidade para alinhar os pensamentos e as palavras.
    gostei do que escreveste, se bem que não me reveja completamente em tudo o que dizes. ou se calhar até sim.
    gostei, em primeiro lugar, do teu testemunho pessoal. não só porque fica bem, nestes momentos, não olharmos para o lado a fazer de conta. mas sobretudo porque mostra que preservas o que há de mais importante na nossa relação com os outros: o respeito pela dignidade.
    concordo contigo, como sabes, quando afirmas que o JS foi um grande dirigente, dos melhores que tivémos. aliás até o cavaco o reconhece, quando afirma que a estes políticos de agora lhes falta carisma. Socrates foi aguerrido e lutador, um lider com visão e com carisma. se ele não fosse tão forte não despertava os ódios que desperta.

    relativamente ao que está a contecer, não tenho grandes ideias. estou, ainda perplexo, e amachucado. Não porque o Socrates fosse meu ídolo, mas proque tenho muito dificuldade em aceitar qualquer das duas alternativas:
    1ª, que ele cometeu de facto os crimes que cometeu, ou
    2ª, que seja possível montar um ardil judicial destes só por vingança.

    uma coisa é certa: seja ou não culpado dos crimes de que é acusado, o ponto é que o que se passou nestes dias foi um exercício de humilhação, puro e gratuíto. sempre seria tratando-se de qualquer cidadão, anónimo ou não. mas foi-o qualificadamente tratando-se de um ex-primeiro-ministro, que, só por o ter sido, merecia ser tratado com o maior respeito, não por ele, mas pelo país que governou. assim, fomos todos nós, os portugueses, mesmo aqueles que rejubilaram com a cena, humilhados.

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    1. Miguel
      nem tu nem ninguém se pode rever naquilo que aqui escrevi, pois cada um tem a sua visão pessoal sobre o assunto e a minha, como sabes, até é muito particular.
      Mas agrada-me que no essencial estejas de acordo com o que aqui expus e eu enalteço sobretudo a tua magnífica análise, muito mais completa e serena que esta que deixaste no teu blog. Absolutamente exemplar e imperdível.
      http://innersmile.livejournal.com/1001272.html.
      Abraço amigo.

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  5. só venho acrescentar que pronto, escrevi o texto sobre o assunto, que começou aqui :)

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    1. Não percebi, mas também penso não ser importante.
      Abraço

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  6. Não simpatizo particularmente com o senhor... mas este circo montado à volta dele e toda a forma como aconteceu é de facto repugnante...

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  7. Shoes
    compreendo perfeitamente a tua posição, pois Sócrates, pela sua maneira de ser será sempre controverso e raras vezes será consensual.
    Mas uma coisa é uma análise como tu fazes, outra é embarcar em linchamentos públicos comandados sabe-se lá com que intuitos e por quem...
    Abraço amigo.

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    1. A propósito disto lembrei-me da peça A Dúvida... acabei de escrever sobre isso no meu blog. ;)

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    2. Shoes
      Conhecia a história, claro, mas não a tinha associado a este caso.
      No entanto, aqui há penas (no sentido da história), impossíveis de localizar, pois voaram...mas também há penas, e bem mais graves, que ficaram presas no telhado e são localizáveis, assim o inquérito da PGR chegue a bom termo, pois investigar-se a si mesmo geralmente resulta em caso arquivado.
      Abraço amigo.

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  8. Eu também escrevi sobre o assunto, no dia da detenção ou no que se seguiu.

    Este processo já começou mal, manchado, com violações no segredo de justiça. O espectáculo mediático em torno da detenção isso o demonstrou. As estações de televisão foram chamadas. Na manhã seguinte, manchetes com informações do processo. O julgamento público, a pior mácula. Ninguém se preocupa em esclarecer as pessoas (como já vi aqui pela blogosfera) de que José Sócrates não está a ser "julgado". Está em prisão preventiva, uma medida pesada, gravosa, que só se justifica em casos muitos muito específicos. Importa dizer que Sócrates nem foi acusado. Isto pode parecer supérfluo, mas não é. E, como jurista, sinto-me na obrigação de o esclarecer. No final do inquérito, poderá ser deduzido um despacho de acusação ou um de arquivamento, se os indícios apurados não forem suficientes para submeter o arguido a julgamento.

    Também se fala na libertação a ser apreciada agora. Trata-se do habeas corpus, um pedido de libertação que pode ser requerido por qualquer cidadão quando há suspeitas de uma detenção / prisão sem fundamento previsto na lei, de forma arbitrária e ilegal. Se assim for, Sócrates, após apreciação, será posto imediatamente em liberdade. É uma medida muito extraordinária, com mais importância no direito brasileiro do que no português.

    um abraço.

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    1. Mark
      li, claro, a tua postagem, excelente sobre este assunto.
      E agradeço-te muito os esclarecimentos de ordem jurídica que aqui deixas, e que muita gente desconhece e outroa conhecem, mas ignoram, o que é de todo lamentável.
      Abraço amigo.

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  9. Apenas quero agradecer a visita no meu blog.
    Quanto a esse tema... vou esperar para ver se há justiça para todos (e não estou a referir-me a ricos e pobres; e, sim, a ricos e ricos).

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Evita ser anónimo, para poderes ser "alguém"!!!