sábado, 21 de dezembro de 2013

Francisco

Faleceu anteontem, quinta feira o meu amigo Francisco.
Não era um amigo de infância, já que ele era natural de Elvas, alentejano de gema; conhecemo-nos no nosso primeiro ano de Lisboa, nos alvores da década de sessenta.
Eu e a malta da Covilhã pontificávamos no Monte Carlo e ele como alentejano e aluno de Agronomia caía mais ali mesmo em frente, na Paulistana (aliás ao tempo, o Saldanha era muito cosmopolita).
Quis o destino que o Francisco se enamorasse de uma moça amiga da Covilhã e então quando ele ia passar férias na minha terra era em minha casa que ficava.
Daí me considerar um pouco um patrono da união de ambos e que lhes deu seis filhos, um dos quais morreu muito novo à porta de casa, aqui em Lisboa, quando saía da mota que tinha.
Desde então o Francisco passou a ser um covilhanense de coração e a amizade com a nossa malta foi sempre crescendo.
Nos últimos tempos, desde há pouco mais de um par de anos, tínhamos por salutar hábito encontrarmo-nos uma vez por mês, ele, eu e mais três amigos, para almoçar em Lisboa; almoços demorados em que a Amizade e as recordações imperavam, apesar dos desfasamentos políticos ou clubísticos.
Por vezes alargávamos o repasto às caras metades, a quem as tinha (todos menos eu).
E de repente, há alguns meses tudo aconteceu ao Francisco: começou a ficar diabético, apareceu-lhe um tumor na próstata, removido com sucesso numa cirurgia e agora um novo tumor, que nada se relacionava com o anterior, desta vez, no cérebro.
Três cirurgias num espaço curtíssimo de tempo, um coma induzido, depois um coma profundo, uma infecção generalizada e assim ele partiu, quase sem avisar ninguém.
Devido a uma traumática experiência pessoal de há poucos anos, em que a minha irmã mais velha faleceu com um tumor semelhante, temi sempre o pior, o que infelizmente aconteceu.
Nunca o fui ver ao hospital, pois eu, por feitio e defeito próprio, em vez de levar ânimo a um doente, vou-me abaixo, comovo-me e o efeito é contraditório.
Só quando os médicos, há pouco mais de uma semana, “desenganaram” a família, lá fui, para estar com a mulher, os filhos e a irmã, mas não o vi, pois já estava em coma nos cuidados intensivos.
Como se decidiram pela cremação e esta continua, incompreensivelmente, a ter apenas dois locais em Lisboa, tiveram que esperar por hoje para fazerem o funeral.
Só hoje o corpo, logo pela manhã veio do Hospital da Luz para a Basílica da Estrela e ainda bem que assim foi, pois a família pôde ontem, em comunhão, descansar do imenso desgaste dos últimos dias. O funeral foi comovente, com centenas de pessoas, revi muitos amigos e dei o meu apoio à família.
Um padre verdadeiramente chato, que fez demorar uma missa de corpo presente uma hora, não estragou a cerimónia, que teve no final da missa um momento especial, com os filhos todos juntos e com a mais velha a ler uma carta de despedida ao Pai.
O Francisco era quase da minha idade, exactamente um ano e um dia mais velho que eu e já não foi o primeiro a partir.
Cada vez mais pela precariedade da vida dou mais valor à maneira como a vivemos – o tempo vai-se escoando, e embora ainda tenha uma Mãe “jovem” de 91 anos, cada vez vamos sendo menos.
Como serão agora os nossos almoços sem ti, meu querido Francisco?

26 comentários:

  1. Os meus sentimentos João. Um abraço forte.

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  2. Eolo
    muito obrigado; era na verdade, um grande amigo.
    Abraço amigo.

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  3. Pois é. Só podemos tentar confortar o amigo que fica, com nossos sentimentos, abraços e beijos mais sinceros.

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    1. Eduardo
      e isso já é muito bom, acredita e agradeço-te do coração.
      Beijo.

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  4. Ver partir os amigos é das coisas mais tristes e dolorosas que há. Os meus sentimentos, João.

    Compreendo bem o que dizes. Com a idade e a experiência apercebemo-nos que, de facto, não somos eternos e saboreamos a vida de outra maneira. :)

    Abraço e um Santo Natal.

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    1. Arrakis
      quando se chega a uma certa idade, estes acontecimentos normais - ninguém é eterno - começam a pesar um pouco mais e olhamos para eles com alguma desconfiança.
      Mas é impossível suster a dor da perda de um grande Amigo.
      Confortamos quem sofre ainda mais, é um facto, mas a nós, quem nos conforta?
      Abraço amigo e um um bom Natal para vocês.

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  5. Vim aqui para deixar votos de um Feliz Natal mas tenho plena consciência que não será, plenamente, feliz.
    Nunca sei o que dizer... uma perda é sempre algo que faz o nosso coração mais pequeno...

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    1. Olá Rosa
      não, na realidade não é; e se é certo que ninguém escolhe a hora de partir, o facto de ela coincidir com a época que estamos a viver, condiciona de certa forma essa mesma época.
      Feliz Natal para ti e para os teus.
      Beijinho.

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  6. Um abraço solidário, João. Não há palavras que nos possam consolar da perda de um grande amigo.

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  7. Miguel
    e tu sabes isso perfeitamente...
    Abraço amigo.

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  8. Lamento muito a perda desse teu grande amigo, João.

    A forma como descreves o vosso conhecimento e convívio, até ao desfecho final, deixou-me profundamente comovida.
    É como dizes, a vida vai-se escoando, lenta e inexoravelmente. A qualquer momento surgem doenças que não avisam nem nos dão tempo para darmos mais valor às pequenas/grandes coisa que nos rodeiam.
    E olha que sei do que falo!

    Beijinho grande; João e os meus sentidos pêsames.

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    1. Olá Janita
      foi um convívio de muitos anos, primeiro na rambóia da Lisboa universitária ou dos Carnavais da Neve na "Colónia", nas Penhas da Saúde, que tu deves recordar com saudade e depois acompanhando a sua vida familiar, em que ele casou com uma das mais belas mulheres que eu já conheci. Curiosamemte ela é gémea de uma outra grande amiga minha (gente que tu certamente conheces), e eles tiveram dos seis filhos que conceberam dois pares de gémeos (um deles falecido, como referi no texto).
      Uma família muito unida, à imagem do Francisco que agora partiu. A imensa multidão que ontem o acompanhou testemunha a sua vida, plena de coisas boas.
      Fui um privilegiado em o ter tido como Amigo.
      Beijinho.

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  9. Os meus sentimentos, João.
    Reconhecemo-nos finitos quando a morte vai batendo às portas do lado.
    Apenas com 32 anos, também vi este ano uma amiga da mesma idade partir por morte subita. Quando bate à nossa própria geração de amigos, a vida estremece e coloca-nos em perspetiva, sobretudo no que andamos a fazer com a benção da nossa vidinha.

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    1. Alexandre
      infelizmente todos temos na nossa vida testemunhos pessoais de perdas que nos marcaram. O exemplo que referes é muito marcante pois são partidas precoces, injustas...
      Mas quando se parte já com alguma idade, embora não se possa considerar velho, isso pesa muito nas pessoas da mesma geração, podes estar certo, pois começa-se a pensar muito mais profundamente em nós próprios, na nossa vida, além da dor da perda, como é óbvio.
      Abraço amigo.

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  10. não há palavras suficientes para transmitir o que sinto, o que sentimos quando um amigo, um ente querido, a pessoa que mais amamos já não está entre nós. viveste uma grande e bela amizade, quase meio século. são assim como que irmãos, mais que de sangue. a vida é tão curta e ter o privilégio de contar com verdadeiros amigos é bom, tão bom e merece ser homenageado como este bonito texto que dedicas a o teu amigo Francisco.
    é muito triste ser é nesta quadra, será agora associada a esta perda :(
    muita força, para ti e para a família do teu amigo.
    bjs.

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    1. Margarida
      a família dele estará em bem piores condições do que eu, mas conhecendo-os a todos muito bem, sei que o espírito de união entre eles é fortíssimo e o facto de haver várias crianças - o Francisco deixa 7 netos, todos crianças pequenas - levará a que o Natal seja apesar de tudo passado não com alegria, mas pelo menos em Paz.
      Seria bem pior que o estado dele, se tivesse prolongado e se mantivesse durante o Natal.
      Temos que ser realistas, num coma profundo, só à espera que o organismo cesse a vida que já "não há", quanto mais cedo, melhor.
      Quando foi da minha irmã, foram três dolorosa semanas à espera sem qualquer esperança - é terrível.
      Bejinho e bom Natal.

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  11. Meu amigo, vim aqui ao teu "canto" para te agradecer o comentário no meu "canto" e devolver-te os votos! Deparei-me com este comovente adeus ao teu amigo, com a tua tristeza, com um texto que é o retrato das nossas vidas, quando chegamos a estas idades, em que o nosso cemitério interior começa a estar cheio... Não vais ter certamente muita alegria neste período natalício. Desejo-te pelo menos paz e saúde, e até para o ano. Um abraço solidário!

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  12. É isso mesmo Justine
    encontraste a frase certa - o nosso cemitério interior começa a estar cheio.
    Mas questiono o que pensará a minha Mãe, nos seus 91 anos acerca disto, sendo ela uma das muito poucas sobreviventes...acho que quando se chega àquela idade, partir é já algo para o qual se está preparado, não sei...
    Enfim, apesar de tudo dizem que é Natal, não é???
    Beijinho.,

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  13. Esta publicação trouxe-me à memória outros tempos (como se eu fosse muito antigo). Existe uma enorme nostalgia em mim quando passo às velhas portas das tão ou mais velhas casas da minha aldeia e recordo as pessoas que lá moraram e que já partiram. Uns mais novos, outros que sempre conheci velhos. Não me consigo imaginar a viver sem ter algumas pessoas ao pé de mim. Resta-me a esperança porém de esse dia chegar tarde, já que esse dia acontecerá, mesmo que eu não queira.

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    1. Ribatejano
      isso significa que nunca sentiste a perda de alguém que realmente te fosse importante; nem sabes a sorte que tens...
      Abraço amigo.

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  14. PS: Prontes... lá fiz eu um comentário intimista. Um abraço de consolo é tudo o que posso oferecer.

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  15. Ribatejano
    e é mais que suficiente.
    Obrigado.
    Abraço amigo.

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  16. Tenho tido a sorte de não ter perdido nenhum amigo próximo, mas compreendo o devastador que deve ser perder alguém com quem se partilhou uma amizade de tantos anos. Os meus sentidos pêsames, João.

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    1. Coelho, a minha idade é bastante mais avançada que a tua, o que, à priori, justifica logo que já tenha passado por momentos de luto e dor nalguma quantidade, nomeadamente em familiares próximos (Pai e irmã).
      Mas a partida de Amigos com idade semelhante à nossa, independentemente do elevado grau de afectividade que isso comporta, coloca-nos sempre perante uma questão pessoal, que cada vez é mais pertinente - qual é o "nosso tempo"?
      Abraço amigo.

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